Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Como viviam as famílias itapolitanas - II"

 

Muitos de meus leitores, já entrados em anos, hão de se lembrar como eram as relações entre crianças e adultos, entre mais jovens e mais velhos, entre pais e filhos, avós e netos, tios e sobrinhos, mas os meus leitores jovens vão estranhar muita coisa, pois as diferenças das formas de relacionamento dentro das famílias de antigamente e as de nossos dias chega a ser espantosa.

O respeito entre as diversas gerações era enorme, era imposto de cima para baixo, mas como fazia parte de um conjunto de hábitos que vigorava há séculos, eram aceitos pacificamente.  Ao levantar-se e ao deitar-se era sagrado o pedido de bênçãos ao pai, à mãe e aos demais familiares mais velhos que eventualmente estivessem presentes, como avós, tios. À mesa os mais novos não falavam antes dos mais velhos e de modo nenhum aparteavam quando falavam o pai, a mãe e os convidados, se os houvesse. Na maioria das famílias os filhos se valiam da mãe como intercessora quando se queria dizer alguma coisa ao pai. A gente pedia à mãe: “Fala para o papai se ele deixa eu ir à matinê hoje à tarde?”

A gente não entrava no quarto dos pais a não ser que fosse convidado, que fosse chamado. A gente se policiava seriamente para que não acontecesse de flagrar algum dos pais trocando de roupa. Troca de afagos entre os pais era coisa longe de se pensar, jamais se deixavam flagrar. Enfim, o recato, a discrição, a pudicícia eram preceitos inarredáveis. Conforme o tipo de educação, conforme o grau de instrução, conforme também a origem étnica da família também  era o grau de rigor, na prática, desses preceitos.

A hierarquia se impunha naturalmente, de tal forma era um velho costume. O sistema de organização da família era o patriarcal. O avô, o nono, empunhava o cetro invisível da liderança; não se fechava um negócio, por mais vantajoso que se mostrasse, sem consultar o avô. No âmbito da casa da família, o pai era o dono das decisões e se ele consultava a esposa, isto era feito às escondidas, para que não se  diminuísse a autoridade dele.

A cara  feia era o instrumento da imposição. Pai que fosse enérgico, austero, não podia viver derramando sorrisos para os filhos. É claro que havia momentos de relaxamento, de bom humor mas, no geral, o semblante sério pairava sobre a filharada.  Minha geração, a ainda algumas que nos sucederam, experimentaram bem de perto este regime de administração do lar.  Pra tudo tinha-se que pedir autorização, nada passava desapercebido pelos pais. Criança não participava das rodas de adultos, quando a conversa era séria. As famílias costumavam se visitar com frequência, os adultos ficavam na sala, os adolescentes e as crianças, inclusive visitantes, ficavam em cômodos afastados. 

Dependendo do nível cultural, do temperamento mais durão ou mais flexível, esta autoridade era exercida com maior ou menor dureza, mas sempre sobrava um pouco dela. O olhar severo do pai ou da mãe em geral bastava para inibir qualquer desobediência, qualquer travessura. Apanhar era coisa comum, poucos escapavam desse tipo de correção. A casa da gente era um santuário, digna do maior respeito, menino não entrava em quarto de menina e menina também não fazia isso. O amigo era bem recebido, a coleguinha também, mas ficavam entre os limites do seu espaço. Palavrão era coisa rara de se ouvir, se acontecesse, era longe de casa, nas brigas de rua, nas rodas de rapazes, jamais entre as meninas.

Você vai dizer: “era uma verdadeira escravidão!” Eu, que vivi intensamente debaixo deste regime, digo: “não, não chegava a tanto!” Havia amor, havia afeição, havia respeito mútuo. É claro que devia passar por alguma mudança para mais brando, para menos autoritário. Não condeno aqueles métodos, porque conheço seus resultados: os que tiveram este tipo de educação não partiam para a violência por qualquer motivo, havia delicadeza nos modos de se relacionar e havia pudor na forma de se comportar e isto não acontecia sem razão, era fruto da criação.