Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Você já ouviu falar num posto degasolina carismático?"

Nos primeiros anos em que vivi em Monte Aprazível, depois da volta, pouco a pouco fui-me inteirando da vida da cidade, dos lugares e dos estabelecimentos úteis e assim conhecendo pessoas fora do círculo profissional, como professores, funcionários e alunos. Eu tinha um carro velho, pois estávamos em 1964 e o meu era um Ford Sedan, ano 1936. Era bem cuidadinho, azul metálico, não vazava nem queimava óleo e causava cobiça de muita gente, que me fazia ouvir insistentes “quer vender?” Mas, apesar disto quebrava e quebrou, quando cheguei, certa vez, no colégio para trabalhar. Aí o Fernando Graça, inspetor de alunos e amigo, sempre gentil e solícito, me levou a uma casa ao lado da residência do Sr. Bruno Quarezemim, na esquina do Capitão Porfírio Pimentel e me apresentou um mecânico bem jovem, simpático, muito educado, que recolheu meu carro e cuidou dele enquanto eu dava aulas. Era o Jáder, pessoa que conquistou minha simpatia e dela nasceu uma amizade que ficou para sempre, além do que ele se tornou meu colega, professor de História e se casou com uma aluna da Aliança e grande amiga, a Ana.  Pouco tempo depois deste episódio, fui informado que aquele mecânico abrira uma oficina junto ao posto de gasolina do Sr. Chiquinho de Paula, na saída para a rodovia. E foi por causa do Jáder que descobri um dos melhores pontos de encontro da cidade, o Posto do Chiquinho, além do Bar do Abílio, é claro.

Aquele posto existe até hoje, por isto não é preciso descrevê-lo. Do seu lado esquerdo eram a porta e as janelas da residência dos De Paula e do lado direito o lavadouro (que a gente fala lavador), a oficina do Jáder e a borracharia do Mané. O posto era administrado pelo Sr. Chiquinho (Francisco de Paula), na época vereador do Município, que tinha a ajuda de seu único filho homem, o Fernando, cuja estatura e robustez lhe valeram o apelido de Chumbão. O lavador de carros era o Mendinho, o mais competente no ofício que conheci até hoje. O borracheiro era o Mané, homem de cor, raçudo e simpático, o ajudante do Mendinho era um rapazinho de nome Valdecir. O posto era muito movimentado, pois além de atender os carros no abastecimento, na lavagem, lubrificação (naquele tempo os carros eram erguidos por um elevador e recebiam lubrificante nas diversas engrenagens) e também no conserto de pneus. Anexo havia o bar do Paulo, que abastecia os próprios fregueses.  O Sr. Chiquinho, temperamento tranquilo, tinha um traço comum com outro amigo meu, o Abílio Prioli, calado observava tudo e de repente saía com uma tirada das melhores. Uma vez, seu filho Fernando, o Chumbão, recebeu no seu Posto Espacial, construído anos depois, o correligionário político Professor Gino Papa, companheiros que eram naquele momento político e se fecharam no escritório do posto. Gino Papa e Chumbão eram páreo duro para ver quem falava mais alto. Um freguês do posto do Sr. Chiquinho, ouvindo de longe aquela conversa em voz bem alta, perguntou para o Sr. Chiquinho, “Eles estão brigando?”, ao que o Sr. Chiquinho respondeu, “Não, eles estão tratando de segredos políticos!”. Este homem pacato, cheio de sabedoria, recebia os fregueses habituais com tal fidalguia, que acabava se formando ao seu redor uma roda de bate papo, na qual se falava dos assuntos da cidade, da política local, dos temas da época. O Sr. Francisco de Paula tinha uma porção de irmãos, vou citar os que me lembro. O que morava em Monte Aprazível era o Sr. Azor de Paula, que tinha uma filha de nome Elisabeth. Fora de Monte havia a Dona Lourdes, a Dona Araci, a Dona Noêmia, a Dona Adelaide, que chamavam de Laide e a Dona Guilhermina, tratada como Mina.

Para completar a equipe do Sr. Chiquinho havia sua esposa, Dona Nalzira, de descendência árabe, irmã do Sr. Elias Chibebe, também vereador naquela gestão. O papel de Dona Nalzira, no posto,  era cuidar, espontaneamente,  da parte social. Toda tarde, entre 2 e 3 horas, o café era servido, mas oferecido a todos, aos empregados, aos mecânicos, ao borracheiro que eram servidos nos seus locais de trabalho; os fregueses presentes no posto naquela hora também eram convidados a participar, e não era ali no posto não. Era na sala de jantar da casa. Era café, leite, pãozinho fresco, biscoitos, e às vezes aparecia uma rosca deliciosa ou até um bolo. Só o Chumbão é que recebia um “café especial”;  apesar de já ter almoçado às onze e meia, ele tirava do forno um segundo e recheado almoço que sua mãe deixava sem falta, para seu reforço alimentar. E olha que o Chumbão era grande, alto, forte, mas não era obeso não, era ágil, ligeiro em tudo que fazia. E era dono de um coração maior que ele. Ali no posto se reuniam pessoas de destaque na vida municipal, como o Dr. Calimério Bechelli, o “Bechelão” (leia-se Bequelão), médico conhecido na região, fazendeiro e político; também era frequente encontrar ali o Capitão Núncio Céleri, conhecido de todos, exerceu cargos públicos, foi vice-prefeito na gestão do Geraldo Berardo, sempre tranquilo, chegava no seu Ford “pé de bode” verde e entrava na  roda. A família do Sr. Chiquinho era numerosa, ele tinha quatro filhas além do Fernando, a Neide, que se casou com o Luís Gonçalves, falecido há muitos anos, ainda em plena idade madura. A Neide tem duas filhas, a Maria Regina e a Maria Luiza, conhecida como Pitita. A Nely, minha aluna de primeira hora na Aliança Francesa, foi cantora lírica com Dona Cida Rodrigues Pereira e com Dona Lourdes Pessoa de Barros, foi grande amiga da Celeste, minha primeira esposa; ela, com suas inseparáveis amigas Claudete Junqueira Caires e Palmira Quitério, eram presenças infalíveis em nossa casa, onde Nely conheceu o Edson Guiducci, meu grande e eterno amigo e amigo de todas as crianças daquele pedaço; namoraram um tempo, depois houve um desencontro e, anos depois,  um feliz reencontro que os mantém unidos e felizes. Depois vem a Nilza que foi casada com o Olívio, tem dois filhos, o Renato e o Luciano e finalmente a Nelma, que quando cheguei em Monte foi minha aluna no ginásio. Nelma foi casada com o Marcos Massuia e deste casamento nasceram o Marcos e o Eduardo. O Chumbão casou-se três vezes que eu saiba, mas eu só conheci a Ana, irmã do Paulo, do bar do posto. Com a Ana eles tiveram a Cristina, a Vera e o Marcelo. Atualmente, conforme informação da família, o Chumbão vive numa chácara pertinho de Bady Bassit, a antiga Borboleta, com sua terceira esposa.

Em todos os anos que vivi em Monte fui freguês daquele posto, daquela oficina, daquela borracharia e guardei desta época uma história muito engraçada que faço questão de lhes contar. O Fernando, nosso Chumbão, herdou a veia política de seu pai. Contam que quando ele foi candidato a vereador, o proprietário da Empresa de Ônibus Célico, Sr. Ernesto,  mandou pintar todo o muro da garagem de branco e avisou o Chumbão que o muro estava à sua disposição para a propaganda de sua candidatura. O Chumbão então chamou o pintor Brás e recomendou que este escrevesse com letras azuis bem grandes o seguinte: “PARA VEREADOR,  FERNANDO DE PAULA”  entre parêntesis, (Chumbão). Tudo combinado, o Brás lhe disse que, quando estivesse tudo pronto, viria chamá-lo no posto para ver o serviço. E foi embora. Lá pelas 3 horas da tarde apareceu no posto e avisou que o serviço estava pronto. O Chumbão rumou pra lá, convidando os presentes para irem ver o tal muro com sua propaganda. Lá chegando, o que o Chumbão viu escrito?  Simplesmente “PARA VEREADOR FERNANDO DE PAULA, e embaixo “ENTRE PARENTES E AMIGOS, CHUMBÃO”. Quando o Chumbão olhou para o pintor e ia dar a bronca, o outro percebeu e se antecipou. “Ué, você ia querer os votos só dos parentes?”

Nesta época, primeira etapa da minha vida em Monte, havia mais três  postos de gasolina na cidade, o posto do Chico Rui, na esquina da Rua Brasil, com a Duque de Caxias, um posto do lado dos Maionchi, uma esquina pra baixo, que consta que pertencia ao Sr. Natalino Dias, marido da conhecida e querida professora Dona Maria de Mello e o posto do Alfredo Sanitá, na esquina da Rua Brasil com a Getúlio Vargas, em frente a casa de meu grande e saudoso amigo, professor Jesus Gagliardi. Outros postos foram se abrindo conforme a cidade se desenvolvia, objetos que serão de futuras crônicas.