Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"O homem é um ser sociável, mas, nem tanto!"

Quem vive e quem já viveu a vida do nosso interior, quem vivenciou o modo de vida das cidades pequenas e médias, quem, observador, gravou na memória os fatos, o linguajar, as manias, o ritmo dos passos e dos acontecimentos das comunidades que se conhecem todos ou quase todos, sabem que só a falta de oportunidades para evoluir na profissão, nos estudos, nas posses pode justificar deixá-las para trás.

Por mais comunicativo que você seja, por mais desinibido, entrão mesmo, você não vai encontrar na cidade grande, na metrópole, o calor humano que teve quando viveu num povoado, numa cidade de uns 20, 30 mil habitantes. Para sentir-se totalmente feliz vivendo numa megalópole é preciso ter nascido numa delas, de preferência não saindo dela e, se sair que seja  para outra megalópole. Já vivi muito neste mundo e tive inúmeras experiências para chegar a esta conclusão.

Cidades como Monte Aprazível, como Itápolis, como a antiga Rio Preto, que ainda não era São José, têm características que não se transferem com você quando você muda para a Capital, para uma cidade enorme. No interior você já nasce conhecido, não só da família, mas de quase todo mundo, porque você já é esperado, você já é sabido e o seu acolhimento envolve muita gente, seu nascimento vira uma festa com incontáveis participantes, seu crescimento vai dar razão a muitos “benza Deus” (que na verdade deveria ser dito “benza-o Deus”), seu sucesso terá enorme repercussão, por exemplo quando você é aprovado no vestibular, você recebe dois trotes, um lá na Faculdade, outro na sua chegada à sua terra de origem. Até na morte, o calor humano adia o regelar de seu corpo e a solidariedade dá coragem aos familiares para seguirem vivendo.

Na cidade pequena ou média o namoro é vigiado, mas também tem torcida, e o arroz que lhe jogam, saindo casado da Igreja, dá pra fazer um banquete. Na cidade pequena você vive coberto por uma multidão de anjos da guarda, você vai se sentir seguro, protegido, pois a violência ali não viceja, porque as pessoas não a banalizam, um roubo de roupa de um varal já causa indignação, faz redobrar a vigilância.

Quando penso em tudo isto que falei e nas experiências que tive nas cidades em que vivi, minha terra Itápolis, meu trabalho em Rio Preto, a antiga, em Votuporanga, em Monte Aprazível e comparo com a vida que tive que viver em São Paulo, não entendo por que me sujeitei a tanta frieza, a tanta indiferença, a tanta insegurança..

Na grande cidade vi gente que conheci vivendo no conforto de uma casa comum no campo, na fartura da criação no quintal, do leitinho do curral, vivendo depois, na Capital, em barracos de bairros longínquos sem quase nenhuma  infra estrutura, submetendo seus filhos a uma vida de escassez de tudo, inclusive de higiene, e continuando ali teimosamente na vã esperança de melhorar de vida, que vida? Vi muitos moços vindos do Nordeste, deixando lá seus familiares, seus amigos, sua comida típica, numa árdua luta para sobreviver na metrópole. A resposta era sempre a mesma, “estou aqui pra ver se melhoro de vida.” E a quanto tempo ele não vai ver à família? , “Faz cinco anos, o dinheiro não tá dando para a passagem”. 

O ser humano não nasceu para viver como formiga, rodeado de milhões de estranhos que, mesmo morando na frente da casa um do outro, mal sabem seu nome, ignoram suas alegrias e fogem da sua dor. Se assim fosse, não poderíamos  alardear que “a família é a célula mater da sociedade”, pois família nenhuma, enquanto todos vivos, se compara ao formigueiro.

Eu vivi nas agradáveis cidades de dimensões razoáveis, por isto sinto saudade, saudade que estou sublimando porque tive a sorte de vir morar numa terra que conserva os velhos hábitos, do levar as crianças à praça à noitinha, de reunir-se em bancos de jardins para prosear, de jogar dominó, damas, malha e botcha nas praças equipadas para isto. É docemente agradável, quando você sai à janela, dez horas da noite e assiste a passagem das famílias voltando da Praça do Sapo, rodeadas das crianças falantes de alegria, ou quando passa por ruas mais adentradas e se surpreende com famílias sentadas na calçada, de papo com vizinhos. Nestas horas Santos me faz lembrar do Sr. Carlos Vessoni, meu vizinho em Itápolis, em sua infalível cadeira na calçada a fazer parar todos que passavam para um dedinho de prosa, quando a noitinha chegava. Estas cenas de Santos me lembram o povão da Vila Aparecida voltando falante da Praça São João de Monte Aprazível, onde tinham ido curtir as músicas da Fonte Luminosa, deixando as crianças a brincar com segurança ao redor da fonte, me lembram da calçada do Sr. Plínio e Dona Alice, rodeada de vizinhos, como Dona Ermelinda Macri, Dona Ana também Macri e sua nora Joana, a Maria do Camarguinho com a criançada brincando com os filhos da Dona Egídia e o Sr. Moacir eletricista; até mesmo o Sr. Coelho, pai da cabeleireira Nair, dava uma paradinha no portão pra conversar. Logo alguém ia comprar sorvete e o papo seguia solto até dez horas. Na minha rua, a criançada brincava de pé-na-lata, de “não se mexa”, na  esquina de baixo, a Dona Deca Junqueira e seu marido Sr. João Caires, sentavam-se na calçada, rodeados pelos filhos e por vizinhos.

Quem sabe vocês que estão me lendo não percebam claramente a vida feliz que sua cidade, por não ser um gigante adormecido, está oferecendo a vocês e aos seus. Felizes ou não, se daí saírem para um grande centro, vão sentir muita saudade. O mundo já foi bem melhor quando os homens viviam em pequenas comunidades, longe do turbilhão de vozes sem identidade, de gestos sem carinho, de olhares que não veem ou até inamistosos. Eu saí por extrema necessidade, mas nunca abandonei o sonho de voltar. As cidades que me deram estas alegrias mudaram muito, gostaria que voltassem a ser o que eram. Deus é tão bom pra mim, que me mandou pra cá, onde posso curtir a lembrança do que eram minhas cidades queridas.