Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Tudo acabava bem e... alegremente"

19 de abril de 1965, às 10 horas da manhã, lá estava eu na casa do Sr. Dan, o dono da fábrica de cola, verdadeira casa de campo, quase chegando na Rodovia Feliciano Salles Cunha, onde fui encontrar os franceses que vieram, com um dia de atraso, para a inauguração da Aliança Francesa de Monte Aprazível. Foi-nos servido um café, durante o qual o Sr Dan e eu falamos sobre a cidade, seus habitantes, suas escolas e outros aspectos da vida local. Dali saímos para uma visita ao centro da cidade, conduzi-os à Rádio Difusora, onde foram entrevistados, concluindo o passeio com a apresentação da Sede Pio XII, dos  funcionários da Aliança, os irmãos Dirce e Edésio que já responderam a seus cumprimentos em francês, do Cônego Altamiro que foi chamado logo ali na Casa Paroquial; os ilustres visitantes puderam conhecer o auditório, onde o Professor Audubert ia dar a aula inaugural. O Padre os levou para conhecer a Igreja Matriz. Demos uma volta pela represa, passamos rapidinho em minha casa, onde conheceram meus filhos, com a Marília ainda perto de completar um mês de vida, um papo animado com a Celeste, tudo assistido pela meninada do pedaço. Os visitantes foram almoçar com o seu anfitrião e tiraram a tarde para repousar da viagem.

A noite chegou, a Sede Pio XII, toda iluminada, recebeu os alunos, os convidados, as autoridades locais e os franceses, Monsieur Robert, Monsieur Gaillon, Monsieur Audubert. O auditório estava lotado, com gente em pé e alunos sentados até no chão. A mesa foi composta, eu abri os trabalhos, o prefeito Wilson Leal saudou os visitantes em nome dos munícipes, passei a palavra para o aluno, Padre Altamiro, que empreendeu a grande tarefa de saudá-los em nome dos alunos da Aliança Francesa.

Pena que, assim por escrito, não dá pra transmitir-lhes o show que o Vigário da Paróquia de São Bom Jesus nos ofereceu. Seu francês completamente original, pronunciado como se escreve, fluía com uma eloquência incrível, provocando a reação bem humorada dos presentes. O Padre Altamiro falava um francês completamente diferente do que se fala na França e em qualquer país que fale aquela língua. Ele falava como ele bem entendia, todo animado, vibrante, saudou, deu as boas vindas e foi aplaudido de pé! O nosso querido padre brilhou!  Os franceses adoraram seu divertido discurso e foram todos abraçá-lo e apertar-lhe a mão. Eu e o Ozias do lado só vendo aquilo! Ele olhou pra nós dois, ar vitorioso, com aqueles olhos azuis e não perdeu a oportunidade de se vingar: “Vocês achavam que eu não falava francês, né? Estão vendo? Fiz o maior sucesso! Ou não fiz?!” Naquela noite o meu querido benfeitor me conquistou de vez!

            A aula foi uma explanação sobre o que é a Aliança Francesa, sua história, seu papel nos cinco continentes, sua surpreendente adesão em Monte Aprazível. Monsieur Robert e Monsieur Gaillon, fizeram algumas intervenções, falando um português igual o francês do Padre Altamiro.  Ao contrário da noite anterior, tão cheia de tropeços e saias justas, a noite de 19 de abril de 1965 foi uma sequência de momentos agradáveis, de encontros e de congraçamento. A Aliança Francesa de Monte Aprazível estava inaugurada, de forma solene e alegre, como a cidade onde se instalou.

            As aulas voltaram ao seu curso normal, mas a conversa nas rodinhas, no Aprazível Clube, no Iate Club, naquela época funcionando a todo vapor, nos bares, eram as duas noites da inauguração da nova escola. Os assuntos que predominavam eram os dois padres protagonistas, o Padre Celso e o Cônego Altamiro. E aí eu pude ouvir uma história incrível sobre nosso querido Vigário. Passo-lhes aqui porque ele me confirmou sua veracidade, porque na hora em que me contaram, achei que era invencionice. É o seguinte! Naqueles anos era tradição que, nas férias escolares de julho os universitários aprazivelenses, todos estudando fora, encontravam-se e juntavam-se na cidade. Suas presenças eram marcantes, todo ano eles inventavam algo novo para ficar na saudade. E, num ano há pouco passado, não sei bem se em 1960, 61, não sei, eles resolveram se aventurar numa empreitada arriscada. Era mês de preparação da grande Festa de Agosto, que já começava na segunda quinzena de julho e ia se encerrar no dia do Padroeiro, São Bom Jesus, dia 6 de agosto.  Os universitários decidiram homenagear o Padre da cidade com um banquete a ser preparado pelo Riskalla e servido no Iate Clube, onde o querido “Turquinho”, como o chamavam carinhosamente, tinha seu restaurante. Na data e na hora marcadas houve o banquete. A mesa era farta, com assados variados, leitoa, cabrito, frangos, peru, um belíssimo e delicioso arroz de forno e bebidas para todos os gostos. O Padre estava muito alegre, levantou-se, pediu a palavra para agradecer “estes jovens que vêm provar que a juventude não está perdida, como muita gente fala, pois está homenageando o padre da cidade”... e agradeceu a todos com emoção. Representando os universitários, levantou-se o Ocirei Junqueira, futuro dentista, que pronunciou o seguinte discurso: “Querido Padre Altamiro, aqui quem tem que agradecer somos nós, padre, porque, se não fosse o senhor, não poderíamos ter realizado este banquete tão saboroso!” (o padre ouvia aquilo com ar de surpresa) E continuou o Ocirei: “Se o senhor não ganhasse tantas prendas para a Festa de Agosto, e as colocasse todas juntas naquela piscina...” O Padre Altamiro nem esperou a continuação, correu, pegou a caminhonete e foi olhar o estrado na tal piscina. Não encontrou mais nenhum frango, nenhum cabrito, nenhuma leitoa, mais nada.

            O Padre recebia as prendas para os leilões diários e para o grande leilão do encerramento e esgotava a piscina da Sede Pio XII para encarcerar os frangos, perus, cabritos, leitoas e demais prendas, que seriam sacrificadas e assadas para o bem das Obras da Paróquia. Estava explicada tamanha vontade de homenagear o chefe religioso da cidade. Disseram-me que o padre fez um sermão muito bravo no domingo, enumerando cada participante da brincadeira. Parece que estavam na turma o João Bicudo, irmão do Professor Jesus Gagliardi, o Hélio, irmão do Antero Lisciotto, e vários outros estudantes em férias.  Contaram-me que o Antero, futuro advogado e juiz, avisou o grupo que o padre iria excomungá-los. Mas não foi preciso, os moços foram procurar o vigário na Casa Paroquial e o levaram até a bendita piscina, que estava lotada de frangos, perus, leitoas, cabritos e etc. O leilão estava salvo e os estudantes, livres da excomunhão.  Eu só acreditei nesta história quando o próprio padre me contou, à beira da piscina vazia, que esperava as prendas da festa de 1966, ano em que fui festeiro e o sempre lembrado Ezuperândio Júlio foi presidente da Festa de Agosto..