Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Seresta, Catiras, Folia de Reis, marcas culturais de uma época"

A história de eu dar aulas de violão se espalhou pela cidade, o que me valeu convite para participar de serenatas e, numa destas eu pude comparecer. Estavam a postos a Srª  Ata Pais, funcionária da Coletoria, um irmão dela que era escrivão de polícia em Rio Preto e seu colega de coletoria, Arioste Monteiro. Irmão da professora Ariosdene, que foi quem alfabetizou meu filho Ricardo. Dona Ata, que morava numa casa atrás da igreja matriz, tocava flauta muito bem, seu irmão era ótimo violinista, o Arioste tinha voz de cantor lírico; ali também estava a Nely, filha do Sr. Chiquinho de Paula, cuja voz também me impressionou. Completavam o grupo alguns amigos que faziam coro quando cantavam “Las marianitas”, “Las golondrinas” e outros sucessos da época. A seresta em Monte Aprazível apresentava para mim uma novidade, algo que não sucedia nas serestas de Itápolis, onde as pessoas ouviam os seresteiros sem abrir suas janelas, a única manifestação que indicava que estavam ouvindo era que acendiam a luz, que se via pelas frestas.

Em Monte Aprazível, nas serestas que eram frequentes, assim que acabava a primeira música, as portas da casa se abriam e os comes e bebes estavam lá, prontinhos para serem servidos, o que mostrava que já esperavam pelos seresteiros. As serestas serviram para eu conhecer os músicos, os cantores e as famílias que nos receberam. Foi assim que eu soubesse que havia um grupo de canto lírico na cidade, do qual Nely e Arioste faziam parte, juntos com Dona Lourdes de Barros e vários outros membros, sob a batuta da competente maestrina Professora Maria Aparecida Rodrigues Pereira, diretora do Conservatório Musical. Por meio deles conheci a Lisete Buissa que era pianista e professora de música em escolas da região. Foi naquela primeira noitada de seresta que conheci um dos melhores amigos que passei a ter na minha nova terra, o Dr. Everaldo Nazareth, em cuja casa entramos e fomos recebidos com a enorme simpatia de Dona Luzia, irmã do já então falecido Professor Raul Vieira Luz; as crianças, Maria Cecília, Belinha, Everaldinho e Marco Antônio dormiam naquela hora. Ali nasceu uma amizade que rendeu muitas histórias e que perdura. Dr. Everaldo era presidente do Aprazível Clube e, com ele, pude realizar programas de arte e cultura que marcaram época. Da casa do Dr. Everaldo fomos para diante da casa do então prefeito Wilson Guiguet Leal, onde fomos recebidos da mesma forma simpática, podendo conhecer Dona Hebe e suas irmãs da família Gimenes. Mais tarde estes encontros propiciaram a extensão da nova amizade entre nossas famílias. A gente cantou na casa do José Ceneviva e de Dona Ruth, na casa do Gino Papa e Dona Amélia, em frente à casa do Sr. Elias Chibebe. Foi uma noitada e tanto. Não perdi mais nenhuma seresta, conhecendo novos futuros amigos, como o Serginho de Oliveira, que tocava violão e cantava com voz suave; o saudoso Adalberto, irmão do relojeiro Sinésio, que depois se casou com a Veras Guariglia, filha do Nicola, na época gerente do Laticínio; também o Julinho Amarante, o João do Pinho, mestre no violão, que saía da padaria do Dimas, onde trabalhava até dez da noite, sentava com seu violão num banco da praça e dedilhava até sonatas de Beethoven e valsas de Chopin. Depois que eu já conhecia o meu grande benfeitor Padre Altamiro, eu participei de serestas com ele também. Padre Altamiro trazia com ele um par de colheres com as quais ele marcava o ritmo. Tinha mais gente, mais instrumentistas, mais cantores, eu ainda vou me lembrar, Ah, preciso dizer que a primeira casa em que cantamos, na minha estreia, foi a do Bepe Maset, que era ali mesmo, na esquina do Largo da Matriz, onde havíamos marcado o encontro. O Bepe estava eufórico e até cantou o “Torna Sorrento” e “O sole mio”, acompanhado de Dona Yvone Cury, sua esposa. Estou escrevendo e estou vendo estas pessoas diante de meus olhos e ouvindo suas vozes cantarolando em momentos felizes.  Era a minha integração passo a passo com minha nova gente. Espero que minha memória me ajude a lembrar de todos, de seus traços, de suas vozes, de suas histórias.   

Célebre dupla caipira Cacique e Pajé, exportação de Monte Aprazível

Daí por diante eu me misturei de vez com esta gente ótima, vi as catiras maravilhosas na casa do Nhô Marcolino e Madrinha Lódia, com os shows do Moacir Catireiro junto com os irmãozinhos do Alvarenga, lá na antiga saída de Neves;  vi a excelente Companhia de Reis do Sebastião Mineiro, com o Marinho Honório na rabeca, o Nego (Ermelindo Domingues) puxando as sete notas com as vozes da familiagem do puxador Tião Mineiro. Eu até gravei uma “chegada” de Reis na Sede Pio XII, ainda com um gravadorzinho de fita, que uma noite o Adalberto pediu emprestado para mostrar para seus vizinhos, mas, na verdade, o que ele fez, foi entrar com ele no cemitério, acionar para tocar a cantoria no volume mais alto, só para assustar a vizinhança; aquela fita foi parar na França, pelas mãos do Monsieur Bodet, que se apaixonou por ela quando de uma de suas visitas à nossa Aliança Francesa. 

 

Minha integração com a comunidade caipira se completou quando passei a cortar o cabelo com o Alvarenga, num salão ali na Praça da Igreja; ele tocava uma viola como poucos e fazia dupla com seu irmão, cantando na Rádio Difusora com o nome de “Peixinho e Peixoto”. Gostei tanto do toque de viola do Alvarenga que lhe dei de presente uma legítima viola dos Vieira de Novo Horizonte, que eu tocava quando fazia trio com o Edson Guiducci e o Bebedouro lá na Faculdade de Rio Preto. Esta viola ele guarda até hoje. Só que agora o Alvarenga não é mais barbeiro, ele é o Cacique, da célebre dupla Cacique e Pajé, exportação de Monte Aprazível.