Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Monte Aprazível, dos anos 60"

Antes que acontecesse a Aliança Francesa, minha vida em Monte Aprazível rolou tranquila, conhecendo melhor a cidade, as pessoas, dando aulas de violão para o João Carlos (Carlinhos), filho do engenheiro Guido Bignotti e de Dona Maria da Cruz, também para a menina-moça Marina Junqueira, filha do Gabriel Junqueira e de Dona Yolanda, ensinando violão a domicílio na casa da Dona Manuela e Sr.  Goulart, para sua filha Arlete, irmã da saudosa Dirce Goulart Maset, futura aluna da Aliança e grande amiga.

As férias escolares e as festas de fim de ano tornaram a cidade mais animada do que já era. O comércio aberto à noite, as ruas enfeitadas e mais iluminadas, as pessoas circulando pelas ruas e praças, tudo deixava a vida mais alegre. Comecei a conhecer o comércio local, como a enorme Casa Macri onde os irmãos Antônio, solteiro, Angelim, Hilário, Adriano, Aprígio e Lúcio, todos casados, estavam sempre presentes, caracterizando com eficiência a empresa familiar, naquele tempo bem comum na cidade. Outra empresa familiar era o grupo dos irmãos Maset, com seu patriarca cuidando da loja de eletrodomésticos situada na esquina da Praça da Matriz com a Rua Brasil, bem em frente à Casa Macri, que vendia ferragens, material de construção e máquinas agrícolas. Os irmãos Pedrinho, então presidente da Câmara Municipal, Ado, Lino e o caçula Betinho Maset cuidavam da Agência Chevrolet e oficina, situadas na esquina da Rua São João com a 26 de Maio.  Outra família que atuava em conjunto no comércio eram os irmãos Maionchi (pronuncia-se Maiônk). Os Maionchi tinham a Agência Ford, com loja concessionária de carros e oficina, ocupando a esquina da Rua Osvaldo Aranha com a Duque de Caxias, onde atuavam os irmãos Julio, Hugo e Olívio; o Américo mantinha a loja de material de construção que se mantém até hoje ali na esquina das ruas Osvaldo Aranha e 26 de Maio.

Tive a felicidade de conhecer estas famílias, das quais a maioria já partiu deste nosso mundo. Tenho muito o que falar do comércio de Monte, de uma época em que a concorrência de São José do Rio Preto era bem mais leve que a de hoje em dia, as lojas viviam bem movimentadas, tínhamos um único supermercado, o Aprazível, este que continua na esquina da Rua Brasil com a Tiradentes, na época me parece que ainda pertencia ao Mardegan, era gerenciado por um moço de nome Edson e tinha o Sr. Cardoso, pai da Marisinha, da Marcia  e do Cardosinho,  como  uma espécie de ombundsman, que orientava os fregueses e recebia reclamações. Tínhamos diversos bares, cada um com sua característica e ninguém os chamava por seus nomes comerciais, eram o Bar do Raul, o bar da Maria do Ceu, o bar do Teixeira, o bar do Abílio, e daí por diante. A cidade tinha vários empórios, que eram chamadas de “vendas”, onde ainda se praticava o atendimento no balcão, a venda de cereais a granel, pesados na balança, uma das que durou até pouco tempo atrás, foi a venda do Seu Bembem (Ernesto Peresi), na esquina dos Maionchi, do Chico Padeiro (Penhalver) e do bar do Fochi (diga Foki). Lembro-me que tínhamos as farmácias do Purini e de Dona Anita, na rua principal e as farmácias do Valdomiro e a dos irmãos Kemer e Jorgito, na Praça São João. Havia três postos de gasolina, o do Chico Rui, na esquina da Rua Brasil com a Duque de Caxias, o posto do Alfredo Sanitá, na esquina da Rua Brasil com a Getúlio Vargas, em frente da casa onde moravam os professores Dona Tetê (Maria Teresa) e Jesus Gagliardi (diga Galhiardi) e o posto do Chiquinho de Paula, vereador na época, que ficava naquele entroncamento da saída para a Rodovia, logo que passa o estádio de futebol.  Tínhamos dois cinemas: na Rua São João, no quarteirão que vai da praça até a Av. Getúlio Vargas, tínhamos o cinema do Dida, não me lembro de outro nome, era Cinema do Dida. Na rua principal, chegando na esquina da Rua Amador de Paula Bueno, bem em frente à famosa Casa São Paulo, dos Peresi, tínhamos outro cinema, o do Sr. Camilo Soubhia. Naquela época, meados da década de 60, o cinema tinha um papel social muito importante, a praga da televisão, este instrumento de comunicação tão mal aproveitado, ainda não tinha trancado as pessoas dentro de casa, acabando com o costume tão bonito das visitas, acabando com a roda dos vizinhos com as cadeiras nas calçadas, com o encontro na porta dos cinemas, enfim, apequenando o convívio social. Quando passava um filme do Mazzaropi, ao redor do cinema se formavam filas enormes. Lembro-me quando passou o filme “Dr. Jivago” a multidão que se formou em frente ao cinema.

E sobre estes amontôos em frente aos cinemas, tenho uma história verídica, embora não pareça, para encerrar esta crônica. Naquela época, vale repetir, anos 60, a cidade tinha só dois homossexuais assumidos e, numa noite de grande público aguardando à abertura do cinema, um deles estava presente e disse qualquer coisa pra um rapaz que estava acompanhado da namorada; este partiu para a briga, dando uns tabefes no indivíduo inoportuno. E qual não foi seu arrependimento, quando a vítima começou a gritar: “Bate, bate.... bate neste corpo que já foi teu!” (Tem muita gente aí na cidade que ainda se lembra deste episódio).