Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"O reencontro com Monte Aprazível"

Depois da rápida passagem pela cidade, no segundo semestre de 1956, deixei Monte Aprazível, seu ginásio e sua gente, para assumir a cátedra de Língua e Literatura Francesa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São José do Rio Preto. Esta nova função eu exerci de 7 de março de 1957 até 29 de março de 1964, véspera do golpe militar de 31 de março daquele ano. Preso com grande número de cidadãos da região, dentre estes, inúmeros professores, alunos e alunas da Faculdade, depois de demitido, reassumi a cadeira de Francês do Ginásio Estadual e Escola Normal de Monte Aprazível, agora batizado de Instituto de Educação “Capitão Porfírio de Alcântara Pimentel” e funcionando no seu novo prédio, à Praça Calimério Bechelli.

Agora vocês imaginam o estado de espírito que me dominava, quando deste retorno. Recém saído de uma prisão política difundida pela imprensa da região, acusado de ser um indivíduo perigoso, subversivo e pernicioso à sociedade, retomando as aulas numa cidade de menor porte, majoritariamente católica, numa paróquia dirigida por um pároco dito conservador, Cônego Altamiro de Assis, que continuava a usar batina, quando os padres “progressistas” já a tinham substituído por trajes civis, imaginaram?

Enorme e maravilhosa surpresa! Fui recebido com um carinho e uma solidariedade que nunca vou esquecer, viva ainda mais 83 anos. Meus primeiros passos pelos corredores da escola eram interrompidos pela saudação de grupos de alunos, por colegas professores. O diretor, Professor Gino Papa, sua assistente, Professora Ruth de Carvalho Ceneviva, a secretária, Sra. Dilma Guiguet Maset, os funcionários, Dona Laura, Dona Agripina, Dona Vitória, Dona Lourdes, o Fernando Graça, o Flauzino, a funcionária da secretaria Rosa Ciapina, a sua colega Rosa Lisciotto,o Sérgio Assoni, os colegas professores, toda esta gente que dava vida ao Instituto de Educação, inclusive o José Prado, que tocava a cantina, foram tão simpáticos comigo, que pude recuperar, num estalo, meu bom astral e minha fé nas pessoas que povoavam minha vida.

Em pouco tempo de atividade, viajando para dormir em Rio Preto, consegui realizar um trabalho considerável junto às classes, formando grupos de jograis, de corais, tudo em língua francesa, numa demonstração de que nossos alunos eram bem preparados em sua base. Junto dos alunos do lugar havia muitos que vinham das cidades vizinhas, como os de Poloni, os de Nipoã, os de Macaubal, os de Nhandeara, os de Monte D’Ouro (atual Itaiúba), os de Monções, os de Gastão Vidigal, os de Nova Lusitânia, os de Sebastianópolis, por alguns chamada de Ribeirão, tínhamos alunos até de Floreal, o que fazia de Monte Aprazível um centro educacional regional.

Em pouco tempo me transformei num cidadão conhecido, até mesmo popular, bastava andar pelas ruas para ouvir os chamados de alunos ou de seus familiares. Fiquei conhecido no comércio local, recebia um tratamento muito acolhedor quando entrava num bar, numa papelaria, numa loja. Por incrível que pareça, mesmo tendo tido verdadeira paixão pelo meu trabalho na Faculdade de Filosofia de Rio Preto, da qual fui despejado achando que nunca iria superar a frustração e o trauma que aquela interrupção abrupta de um trabalho que fazia com amor havia me causado, foi incrível o poder de sedução que a gente de Monte Aprazível exerceu sobre mim, fazendo-me voltar a ser feliz!

Foram meses de trabalho alegre, de amealhar novos amigos, de curtir a linda Represa dos Sonhos, a praça ajardinada, sempre movimentada, e o bar do Abílio, definitivamente incorporado na minha jornada. Lá, eu conheci muita gente que se transformou em amigo, como o José Purini, farmacêutico vizinho, Professor Jesus Gagliardi, o livreiro Décio Tavares, figura inesquecível, os então universitários: Ocirei Junqueira, Antero Lisciotto, João Bicudo, os jovens Paulinho Guimarães, Ivanzinho de Carvalho, Adalberto, Polinice Céleri, reencontrei o ex-aluno da faculdade, Tim Spolon, pude ver como cresceram os filhos do Abílio, a Haydée já mocinha, o Aluísio e o Carlos Alberto já adolescentes. Ganhei na época a companhia constante e utilíssima do Fernando Graça, que me explicava tudo sobre a cidade. Fernando era, além de inspetor de alunos, o prestigiado líder da excelente fanfarra do Instituto de Educação, banda premiada por diversas vezes. 

Tudo indicava que o mais apropriado para mim, que tinha família em Rio Preto, longe do meu trabalho, era tratar de minha mudança para Monte Aprazível. Eu já tinha três filhos, a Lília, em idade escolar, com 6 anos, o Ricardo com 4 anos, a Letícia com quase dois anos e a Marília em gestação; a Celeste, minha esposa, lecionava em Ibirá, caminho oposto ao que eu fazia para Monte, os amigos, os colegas, o Gino, a Ruth, o calor humano que me aquecia a alma, tudo me incentivava à mudança. E ela acabou acontecendo e outubro, dia 10, data do aniversário da Letícia, Guardem esta data!