Crônicas de Cássia Gentile

Pensão da Dona Antonia Sene

 

Não posso dizer que não esperava comentários sobre o texto “Casarão” que escrevi e que foi publicado na página online do Facebook, “Cida DE das Pedras”, Itápolis - São Paulo e agora no Instagram, mas não imaginei que tocaria tão profunda e delicadamente a memória de pessoas que junto com minhas palavras recordaram sua infância em Itápolis. Tal fato me incentivou a buscar mais recordações.

Dizem, que quanto mais velhos ficamos,mais nossa memória intensifica os fatos passados, muito mais do que os acontecimentos recentes. Será isso? Estaria eu em plena floração do pretérito? Hum......não sei dar essa resposta... ainda.

Alguns diriam: “Saudosismo” e eu pergunto: “Que mal há no saudosismo?” e então teria a réplica: “Ah! não era tão bom assim...”

Pode ser e concordo que, na maioria dos casos, temos três versões, a sua, a minha e a verdadeira. No entanto, vou deixar este questionamento pra lá e seguir com o meu...”saudosismo.”

Depois do referido texto ”Casarão”  acima citado e em conversas posteriores com meu marido sobre Itápolis ele citou a pensão da Dona Antonia Sene, que, tal qual o Casarão se localizava numa das esquinas do jardim central e como não poderia deixar de ser uma “chuva” de recordações invadiram a minha mente.

Pensão da Dona Antonia, localizada na esquina da Av. 7 de Setembro com a Av. Pres. Valentim Gentil, onde depois de demolida, foi construído o prédio onde funcionou, por muito tempo, a Caixa Econômica Federal

 Aquela pensão era grande e antiga, tendo em sua fachada três arcos onde trepadeiras de flores coroavam os portais, diminuindo assim o calor do sol que a banhava no período da tarde.

Subindo pela escadaria lateral, adentrava-se à sala principal, cujo assoalho de madeiras largas e escuras “balançavam” à medida que caminhávamos. Balanço este, típico das casas que possuíam porões.

Nesta grande sala abriam-se várias portas que se destinavam aos quartos dos pensionistas. Ali, eu e minha prima Estela passávamos horas jogando o que se convencionou chamar de “saquinho” como também, “vareta” ou “palitos”, ou simplesmente ficávamos deitadas de barriga pra cima olhando o teto, sentindo a fresca enquanto nossos pensamentos infantis criavam novas brincadeiras para serem realizadas.Também tinha lições de Francês com a prima Neuza, mas quando liberadas de tal tarefa, Estela e eu corríamos a um dos quartos destinados à família e pulávamos no colchão da cama até ficarmos sem ar e caíamos às gargalhadas sobre o colchão tão maltratado pelos nossos pés.

Adorávamos imitar o jeito do tio Geraldo falar e achávamos graça em repetir a última palavra que um adulto falasse quando em conversa com seus pares........kkkkkkkkkkk nós éramos um “SACO”, mas em nossas cabecinhas isto era divertidíssimo. Éramos, deliciosamente crianças felizes, sem amarras, sem muita vigília e aproveitávamos cada oportunidade desta liberdade que nos enchia o peito de ar e a cabeça de sonhos. Paro aqui para fazer um parênteses, minha geriatra, sim, tenho geriatra, me disse em uma oportunidade em que fiz Densitometria Óssea, que provavelmente eu fui uma criança que muito brincou ao sol, subiu em árvores, nadou, correu, pulou corda, pega-pega, enfim, que devo ter tido uma infância às antigas e não podia ser diferente, estou com 62 anos....kkkkkkk. Mal sabia ela o quanto havia acertado.

Olha só o que cabecinhas felizes faziam, invadíamos, pulando o muro às escondidas, o quintal enorme, inclusive com galinheiro, de parentes já em idade avançada e subíamos em frondosos pés de manga. Não era pelas mangas, não, mas a sensação do perigo de sermos descobertas, nos fazia viajar na imaginação e por várias vezes o “nono” acabava nos pegando em flagra e então a prima “enrolava” uma desculpa qualquer e descíamos do pé e saíamos correndo achando tudo muito, muito divertido.

Até em cima do telhado de uma granja velha brincávamos e vocês nem imaginam de quê - de pega-pega. Hoje, imagino o perigo que corríamos com aquele telhado podendo desabar e tendo muitas cabeças para costurar, pernas e  braços para engessar e o pior, explicar aos pais  por que estávamos fazendo tamanhas traquinagens. Uma vez caí da arquibancada de um circo que estava sendo montado na cidade, poooode???? E também rasguei a parte lateral do joelho no trator do tio Pedro, mas essa é uma outra memória pra contar...

Voltemos para a pensão de Dona Antonia, que tinha como um dos vizinhos, a Igreja Presbiteriana de Itápolis dividida por um muro e, que bobas que éramos, quando imaginávamos que ali ocorria coisas diferentes do que ocorria nas missas que assistíamos todos os domingos, na igreja Católica. Se exerce-se o amor, o respeito, a compaixão, indulgência e caridade, que importa o nome no letreiro que o prédio exibe?...

E, então, de folguedo em folguedo, risadas e gargalhadas, jogos e tarefas, banhos e uniformes, chegava-se a hora do almoço e, agora, amigos, peço licença para fechar os olhos, inspirar profundamente e deixar que a minha memória olfativa-gustativa seja ativada e possa “saborear” o cheiro e o gosto dos bifes na chapa que Dona Antonia fazia. Ah! senhores, que maravilha das maravilhas, que prazer, que água na boca que me dá, que saudades que tenho daqueles bifes... e nesse momento, mesmo que outros venham a dizer – isso é saudosismo – quero, com todo o respeito, que se danem, pois o deleite que experimento me é por demais prazeiroso para permitir que “manchem” minha memória olfativa-gustativacom a qual encerro este texto.